terça-feira, 14 de junho de 2011

Análise do Filme Cisne Negro

                                ANÁLISE DO FILME CISNE NEGRO – Por Miriam Salete

                                              



Alguns termos estão grifados em vermelho. Esses termos são conceitos da psicologia analítica e são explicados no final do texto. Quem não tem familiaridade com o significado desses conceitos vale a pena ir até o final do post.

Para quem já assistiu, talvez esse post ajude no entendimento de alguns elementos do filme, afinal ele é um thriller psicológico, dirigido por Darren Aronofsky  e que se utiliza de elementos da psicologia junguiana para dar corpo ao desenvolvimento da personagem principal, a bailarina Nina.

O Cisne Negro levou um oscar merecido ontem, de melhor atriz, para Natalie Portman. Esses tempos li uma entrevista da atriz em que ela diz que fazer esse papel realmente mexeu com ela.

O filme começa com um sonho de Nina (interpretada por Natalie Portman): ela fazia o papel principal no balé “O Lago dos Cisnes”. O sonho tinha um ar sombrio, e lá aparecia Rothbart, um mago que se apresentava como uma ave negra. Talvez um verdadeiro prenúncio psíquico do processo de transformação (individuação*) que a bailarina viveria. No sonho ela é uma mulher que foi transformada em um cisne, e que só o amor do príncipe poderia quebrar esse feitiço. Mas o príncipe se apaixona pelo cisne negro, e então o cisne branco se mata.

E essa acaba sendo a história do filme. Mas o que eu gostaria de colocar aqui é que a beleza dessa história aparece quando vemos seu desenrolar não como algo concreto e externo, mas sim como um processo psicológico que vai se apresentando através de símbolos.

No mesmo dia em que teve o sonho ela vai a companhia de Ballet. No caminho, muito sutilmente, podemos perceber que ela vê seu reflexo na janela do metrô de uma forma diferente. Nesse momento vemos a projeção de sua sombra* em sua imagem, como se fosse outra pessoa.


Nina demonstra um comportamento infantil, inocente, é muito ligada à mãe (e a seus desejos) e perfeccionista. A mãe é superprotetora, uma ex-dançarina que deixou o sonho de tornar-se uma bailarina famosa quando sua filha Nina nasceu. Por aí já percebemos o quanto a personagem principal vive em função dos desejos da mãe. Ela é a representação da busca pela perfeição.

A personagem tem um andar rígido. Ao chegar no ballet fica sabendo que o diretor Thomas (Vincent Cassel) fará uma versão de “O Lago dos Cisnes” e que procura uma bailarina que seja capaz de representar o cisne branco e o cisne negro. Nessa versão ele almeja uma execução visceral.


Nina é uma bailarina com muita técnica, disciplina, mas com pouca espontaneidade e sensualidade. Thomas sabe que ela seria certa para o papel do cisne branco, mas duvida de sua capacidade para fazer o cisne negro, justamente por sua atitude engessada e infantil.

Depois dos testes, a bailarina vai conversar com o diretor, e esse sempre a provoca, inclusive sexualmente, para que sua aluna desenvolva as características que estão em sua sombra – sensualidade, agressividade, espontaneidade – enfim, o lado visceral que Thomas quer apresentar em sua montagem de “O lago dos cisnes”. Nina nessa conversa é beijada “a força” pelo diretor e o morde nos lábios. E é essa atitude que lhe garante o papel principal. É como se nesse momento Thomas tivesse enxergado em Nina um pouco daquilo que ele buscava.

Os ensaios começam. A personagem é pressionada fisicamente e emocionalmente pelo diretor, por sua mãe superprotetora, pelas colegas com inveja e pela presença de sua rival – uma bailarina excitante e visceral – interpretada por Mila Kunis. Em suas costas a pele vai sendo marcada (provavelmente por ela mesma) no lugar do crescimento de suas “futuras asas”. A pele tem toda uma questão com o contato. É um órgão que expressa nossas angústias e transformações.

A personagem de Mila Kunis é aquilo que Nina não é. É a personificação de sua sombra. E é se aproximando dessa rival durante uma noite que Nina vai experimentando a integração de sua sombra. Ela vai se despojando de sua persona* perfeitinha para ser aquilo que é. Rompe com a mãe, transgride o “politicamente correto”, vive sua sexualidade, e vai se tornando uma mulher. Em uma cena as duas bailarinas transam – no delírio de Nina – e simbolicamente esse seria o momento da consumação da integração com a sombra.

Nessa altura do filme a personagem parece estar perdendo sua capacidade de discernir realidade de fantasia. Concretamente seria como se a bailarina estivesse entrando em um quadro psicótico. Simbolicamente sua transformação está a mil, seus aspectos sombrios lhe trazem força, e seu animus* (representado pelo diretor do Ballet) lhe impulsiona para tornar-se inteira.

Durante a noite de estréia Nina vive entre a realidade e a fantasia. Sua execução é perfeita e ousada, é como se encarnasse nos palcos tanto o cisne negro quanto o cisne branco. Em seu delírio seu corpo vai se transformando, adquirindo asas no lugar de braços, penas, olhos, enfim, ela é o cisne. E no final da apresentação, quando o cisne branco sobe as escadas para se matar vemos um disco dourado ao fundo – símbolo do self* – e ali se expressa o momento mais lindo de todos. A morte do ego, o encontro com o self e a percepção da personagem de que sim, ela foi perfeita. Essa morte quando é vista como algo simbólico se torna algo divino, lindo, o próprio amor que salva… ali seu inconsciente se realizou.



A perfeição não está em desempenhar perfeitamente um papel. A perfeição é ser inteiramente aquilo que se é. Lembrem-se: só podemos crescer para o lado que ainda não fomos. Essa é uma história sobre transcender o meramente humano.



O filme trabalha muito com as cores atribuídas ao processo de individuação também: o preto (nigredo) que simboliza o estado de confusão, o branco (albedo) que representa um estado de maior clareza da psique e o vermelho (rubedo) que aparece na cena final, com o sangue da bailarina, que representa o estado de iluminação e realização da psique.





Termos:



* individuação: processo de desenvolvimento psíquico, que diz respeito à integração do consciente com o inconsciente. É quase como se fosse um caminho para a iluminação.



* sombra: personificação de aspectos do psiquismo que são rejeitados pelo indivíduo. É aquilo que somos e que não combina com a persona.



* persona: é a forma como nos apresentamos ao mundo. Podemos dizer que é um personagem, mas nem sempre temos a consciência de que somos mais do que papéis.



* animus: personificação masculina na mulher, faz a ponte entre o ego e o self.



* self: centro organizador da psique, representa a totalidade e a unidade do ser.



"Quando a verdade é substituída pelo silêncio, o silêncio é uma mentira" Eugeny Yevtuchenko





AUTORA: MIRIAM SALETE

Practitioner de Florais de Bach (registro: BZP - 2001 - 0829A), ou seja, formada segundo as exigências do Instituto Dr. Edward Bach do Brasil que tem vinculação direta com o Bach Centre da Inglaterra.( Practitioner: profissional capacitado para enxergar melhor o potencial adormecido do seu clienteAlém de Practitioner, é também pós-graduada em Psicossomática pela Faculdade FACIS-IBEHE, Psicoterapeuta e especialista em Psiconeuroendocrinoimunologia, Psicologia Analítica, Análise Junguiana e Educação Emocional.